Este blog, depois de passear moderadamente por Portugal, volta a Lisboa e desta vez venho falar do Pica-Pau, restaurante português no centro da cidade, mais concretamente no Princípe Real.
Do chef Luís Gaspar, a ideia é recriar um restaurante típico português, seguindo as “regras da tradição, como aprendemos nos livros da Maria de Lourdes Modesto”. Segundo explicam no website, querem que se torne num lugar onde não há “invenções, criações ou desconstruções”.
Entrando no restaurante, apercebemo-nos que a tradição já não é o que era. Sentados no pátio interior, rapidamente nos damos conta que estamos rodeados de grupos estrangeiros, muito provavelmente turistas que se encontravam a visitar Lisboa e se preparavam para provar os pratos típicos nacionais. Esta foi talvez a grande diferença face à altura de Maria de Lourdes Modesto, isso e, sem dúvida, o preço.
Mas foquemo-nos na comida. De primeiro, o couvert, um cesto de pão de Mafra, um prato de azeitonas marinadas com azeite e orégãos, manteiga rainha do pico e molho pica-pau, uma espécie de molho pickelizado, com vinagre e azeite, que pedia para regar o pão. Para beber, seguindo também aqui a tradição, pedimos um vinho do Douro, mais concretamente da Quinta do Vallado, o Três Melros.
Os pratos escolhidos pelos comensais foram muito diferentes. Uns pediram polvo à lagareiro, outros escolheram Bochechas de Porco Alentejano com puré de batata. No meu caso, olhando para os pratos do dia e ignorando que nos encontrávamos num mês de verão, decidi deliciar-me com um prato de feijoada. Prometo que não é gralha, nem erro, tomei mesmo a decisão consciente de comer um prato com esta densidade numa noite quente. E ao dia de hoje sei que foi uma belíssima escolha. O arroz branco, simples, solto, mas com corpo, as carnes, os chouriços, o toucinho e o chispe com textura, sem descurar o sabor e a harmonia com o feijão na cozedura perfeita. Tudo como deve ser. Tudo aquilo que queria.
Estando plenamente satisfeita, o que aconteceu a seguir foi única e exclusivamente gula. Provámos as quatro sobremesas, sendo estas farófias com leite creme, pão de ló, mousse de chocolate e pudim abade de priscos. Destaco as últimas duas, o Pudim por uma regra que tenho: dada a excelência desta sobremesa, sempre que consta do menu sou obrigada a pedir e, neste caso, a regra comprovou a razão da sua existência. No caso da mousse vi-me confrontada com uma tradição que desconhecia existir - a mousse com cheirinho - que conduziu à introdução no topo da mousse de aguardente velha e o consumo da mousse misturada com esta bebida alcoólica. Tenho de admitir que, conhecida esta tradição, algum sentido faz e que o sabor de facto se melhora.
Terminada a refeição o ambiente valia a pena, o estômago estava a rebentar e a carteira bastante mais leve. Para o dia-a-dia não, mas para uma celebração e em especial , com saudades de casa, vale a pena ir ao Pica-Pau.
Admito que estou com algum receio de escrever este texto. Tenho medo de divulgar uma pérola escondida, sobre o qual tenho 0 propriedade, tendo-o descoberto apenas há uns dias. Aproveitando um fim-de-semana nortenho, mais concretamente na região do Douro (esse pequeno pedaço de paraíso que existe no nosso país e, sem sombra de dúvidas, um dos lugares mais bonitos do mundo), fui almoçar a um local muito bem recomendado, fora do circuito turístico habitual. Localizado no concelho de São João da Pesqueira, visitei por primeira vez (não será a última) o Cais da Estação da Ferradosa.
Descrito como uma pérola da comida tradicional portuguesa e com um ambiente casual impressionou-me logo à primeira vista a apresentação do restaurante, moderna e cuidada. Fixei imediatamente, e tendo em conta o domingo solarengo e caloroso que nos acompanhava, no pequeno terraço repleto de mesas e de comensais, com mesas e cadeiras simples, algumas inclusivamente patrocinadas por conhecidas marcas de cerveja. Parecia uma versão ultra melhorada de um restaurante de diárias.
Depois de ultrapassados os primeiros momentos iniciais, tivemos de esperar um pouco por uma mesa ao ar livre. Enquanto esperávamos, e como um pequeno vislumbre da excelência que nos aguardava, foi-nos perguntado se pretendíamos tomar um Porto enquanto aguardávamos. A resposta foi clara e a hesitação inexistente. Seguiram-se assim cinco minutos de uma visita deslumbrante acompanhada pelo produto de excelência, ou de um produto deslumbrante acompanhado pela vista de excelência.
Para além da vista fixei-me no público, tentando começar a avaliação do restaurante. À mesa viamos diferentes configurações de grupos, desde casais, pequenas famílias, até almoços familiares alargados. A coisa que os unia, aos olhos desta escritora, era a casualidade com que enfrentavam a refeição , o restaurante e a vista, o que poderá indicar a frequência da visita e a proximidade do respetivo dia-a-dia.
Bebido o aperitivo e pronta a mesa, começámos a vistoria da carta (que, infelizmente, não encontrei disponível online pelo que demorou mais tempo o processo do que seria normal). Para além do couvert, com pão, azeitonas e azeite, pedimos de entrada um prato de coração de boi, tal como manda o bom gosto no Douro no verão. Apesar de o amuse-bouche inicial estar perfeitamente sem mais, o tomate trouxe a frescura necessária para o dia e para o início de uma refeição que se via pesada. Ao peso acrescentámos ainda um vinho tinto da região (espero que não estivessem a pensar que se beberia outra coisa nesta ocasião), recomendado exclusivamente pelo serviço, para acompanhar um repasto tão diferente.
Decidimos pedir, seguindo conselhos de especialistas queridos, um prato dos conhecidos peixes de rio, nomeadamente, o filete de lúcio com esmagado de batata e labrestos (espécie de grelos da região) e o pernil de porco assado. O primeiro prato veio abismar, destacando o toque cítrico do tempero e a densidade dos filetes de peixe e a singularidade do respetivo sabor. Quanto ao pernil, há muito para dizer. A delicadeza da carne, o apuramento dos temperos, a textura das batatas e o acompanhamento com uma mostarda caseira para um toque de acidez. Uma verdadeira obra-prima.
Apesar de já estarem superados os limites digestivos do grupo, não resistimos a olhar e pedir sobremesas. Também aqui encontrámos um toque diferente, pedimos o pudim de labrestos e doce coração do douro, uma espécie de tarte, doce, acompanhada com gelado e com um ligeiro toque a vinho do Porto.
Este último pedido, e muitos durante a refeição, foram altamente influenciados pelo serviço do restaurante, de um cuidado, simpatia e zelo extraordinário. Fomos acompanhados em todo o momento por uma equipa que não tinha medo de aconselhar e detinha uma atenção enorme ao detalhe, do grupo, do pedido e da conversa.
Assim se passou um curto almoço de 3h e meia antes de uma viagem de 4h até casa. Na viagem, a felicidade do momento e a tristeza do seu fim. O que inicialmente me pareceu um restaurante para locais, passou no fim à conclusão que era um restaurante para afortunados.
Não sou muito rotineira, mas há tradições que aprecio. Uma delas ocorre uma vez por ano (e assim espero que se mantenha), na altura do verão, na deslocação para uns dias de sol, banhos e descanso no Algarve. Num dos dias lá vamos nós até Vilamoura, mais concretamente à Marina, e jantamos/almoçamos num restaurante chinês que lá existe há muitos anos chamado Zu Yi.
A tradição não passa apenas pela deslocação ao restaurante, mas também pelas escolhas gastronómicas. Raramente inovamos, raramente há indecisões, raramente nos apetece comer outra coisa, mas de vez em quando lá inserimos novos pratos no pedido. Enumero o pedido, indicando, para efeitos de perspetiva, que o grupo à mesa é superior, normalmente, a 2 pessoas. O pedido normal inclui crepes chineses, pato à Peking, porco agridoce, galinha com limão, massa frita especial (com gambas, galinha e vaca), arroz Xáu-Xáu e, desta vez, carne de vaca com molho de ostra. A acompanhar pedimos refrigerantes e cervejas, incluindo a conhecida cerveja chinesa Tsingtao.
A ideia é como se de tapas se tratasse: provar de tudo, misturar coisas diferentes no prato e discutir, até à exaustão, qual é a melhor escolha da mesa. Vários foram os apoiantes do pato à Peking, advogando pelas textura das panquecas, o crocante dos legumes, a densidão do molho e a excelência do pato, e da respetiva cozedura. Outros não conseguem sair da defesa do porco agridoce (acompanhado com o arroz típico), fãs da mistura de sabores, da harmonia entre o doce e salgado e da combinação de texturas. Eu, por exemplo, sou adepta da massa salteada, em qualquer restaurante de comida chinesa e em especial neste. Deliro com o molho que acompanha os noodles, a mistura de uma massa de trigo e ovo com os legumes, que lhe dão um toque crocante (e muito necessário) e, neste caso específico, acho harmonioso a forma como combinam três proteínas tao diferentes (e.g. camarão, vaca e galinha). Finalmente, apesar de sobre estes não serem constituídas equipas, os restantes pratos na mesa não desagradaram, de todo, mas toda a gente sabe que num grupo nem todos podem ser estrelas. Ao mesmo tempo que decorria a discussão e terminávamos o deleite, e porventura a coisa menos boa desta avaliação, notamos alguma (e excessiva) pressa do serviço em limpar a mesa a avançar para o fim da refeição, o que contrastava com o ritmo dos comensais.
No final, e antes da conta, terminada a discussão e de ânimos já mais leves (e estômagos mais cheios), chegam à mesa os habituais panos molhados e quentes para refrescar e lavar as mãos, tratamento que no meu grupo estendemos a mais partes dos braços e da cara, resultando em figuras ridículas e gargalhadas estridentes. Em termos de preço, e por algo voltamos a este local todos os anos, compensa, tendo em conta a qualidade dos produtos servidos e as opções que encontramos num dos sítios mais badalados do Algarve. Vale sempre a pena voltar onde se é sempre feliz.