devia ser junho o ano inteiro
Se há altura em que vale a pena viver em Lisboa é em junho e a razão para isso são as festas de Santos Populares, tema sobre o qual vos escrevo hoje. Em resumo passa-se num mês inteiro em que os dias (e, especialmente, as noites) podem ser passadas em arraiais, em que o menu se baseia em grelhados (com destaque para as sardinhas), caldo verde e em cervejas e em que a banda sonora pimba se torna aceitável (e até desejada).
Já não tinha a oportunidade de participar com todo o preceito nesta festa popular em Lisboa desde 2018 quando, por ser a primeira vez, fiz questão de passar por todas as tradições. Nessa altura, esperei à frente da Sé para ver sair os casais de Santo António, segui a banda da Carris até à Câmara Municipal de Lisboa, comi sardinhas na Graça (e em Alfama), perdi-me nas ruas estreitas dos bairros históricos de Lisboa, aguentei em pé nos Restauradores horas a fio para ver passar as Marchas, percorri toda a cidade a pé e dancei na Bica a noite toda.
5 anos depois, voltei e as saudades eram muitas. Encontrei uma Lisboa e uns Santos diferentes. Para além de (obviamente) terem subido os preços da comida e (especialmente) da bebida, espalhou-se (felizmente) a necessidade da sustentabilidade - todos os copos são reutilizáveis, o que não ajuda a eliminar a acumulação de bens supérfluos, e multiplicou (massivamente) o número de pessoas na rua, em todas as ruas, locais e estrangeiros, alguns inclusivamente sem saber exatamente o que se passava. Para além disto, a principal diferença que encontrei no reencontro com os arraiais em Lisboa foi a mudança de ambiente nos diferentes bairros (que a minha memória lembrava de outra forma): vi a Graça significativamente mais jovem, e mais concorrida, a Misericórdia plenamente internacional e para turista, a Mouraria renovada, divertida e alternativa, a Bica a rebentar, mas já desadequada ao meu estilo (em 2018 era o público-alvo). Ficou-me a faltar a Madragoa, mas ainda não terminou o mês de junho, felizmente.
Este ano, nas primeiras duas semanas de junho, visitei muitos arraiais, tentando ao máximo matar saudades dessas festas, com tudo a que tenho direito. Fiz dezenas e dezenas de quilómetros a pé, fui a um concerto do Toy (a única altura do ano em que é aceitável admitir e desfrutar deste concerto, pelo menos em público), fui ao arraial mais perto de casa para beber uns copos e cantar músicas populares, festejei um arraial semi-privado com um grupo grande de amigos, vi as Marchas (este ano de forma parcial e na televisão) e comi um caldo verde e uma bifana (esta parte foi feita em casa e desfrutada de pijama, que às vezes também é necessário). Fiz estas coisas todas, mas deixei o melhor para a noite certa, a véspera de Santo António. Nessa ocasião, depois de uma intensa pesquisa, que passou obviamente pelo Boa Cama Boa Mesa, acabei por ir jantar (surpreendentemente) a um restaurante da Rua de Santo Antão, chamado o Churrasco.
Aberto desde a década de 1940, primeiro como loja de refrescos e bebidas e só a partir de 1960 enquanto restaurante, este local constava na lista da minha “bíblia” como recomendação para comer sardinha grelhada e pela especialidade do frango assado (afinal de contas, o nome não engana). Fui lá pelo primeiro, e também pela curiosidade de encontrar um restaurante recomendado naquela rua tão associada a ratoeiras turísticas.
A recomendação, como sempre, era certeira. O local era pequeno, sem ser claustrofóbico, o serviço simpático, sem ser demasiado impositivo (até talvez um pouco lento), o preço era qb (se calhar poderia ser mais barato, se não fosse a localização), o menu e a clientela diversificada. Passando para a comida, a escolha era óbvia (afinal de contas, o desejo correspondia à ocasião). Pedi a dose de sardinha assada e chegou à mesa cinco sardinhas, acompanhadas de batata cozida e de uma salada de alface, tomate, cebola e pimento. Com a pele crocante, os filetes tenrinhos, com um toque de sal e de azeite, foi bem iniciada a época da sardinha. A acompanhar, em harmonia, as batatas (apesar de em pouca quantidade) eram de grande qualidade e no ponto da cozedura, e a salada, de ingredientes suculentos e simples, a contrastar com aquele toque do pimento. O jantar de Sto. António ou é assim ou não vale a pena. O resto da mesa deleitou-se com carnes (e frango grelhado), que, especialmente o último, também correspondiam à recomendação, acompanhados de batatas fritas, nada gordurentas e tudo crocantes. De sobremesa, para forrar o estômago e prepará-lo para o resto da noite, uma torta de laranja e, como sempre, um café.
Este foi um pequeno resumo da minha época de santos este ano que de pequeno teve pouco e que satisfez na plenitude as saudades desta lisboeta por ocasião e fez crescer, novamente, a vontade que volte a ser junho.